29 dezembro 2012

(des)equilíbrio estável

a chuva é multisentido: ouço, vejo, toco, sinto seu cheiro. e por entre as sensações, imagino. uma gota bailarina se equilibra numa agulha, esguia, linda e orgulhosa de seu próprio equilíbrio. mas a chuva segue chovendo, e a gota seguinte a destitui sumariamente de sua delícia tão ilusória. ao fim da tempestade, o sol volta e ambas secam. no chão esquecido da chuva, nenhum vestígio de gota.

15 dezembro 2012

saudade

saudade é assim: os pés ficam plantados, raízes, na terra. e os olhos voam. os olhos vêem o que já não há. os olhos inventam rostos e risos. e os ouvidos recriam sons antigos, canções. ouço minha mãe me chamando, vejo seu olhar. saudade é assim: alucina.

02 dezembro 2012

dezembro

dezembro era mês que cheirava a pêssegos, panetone e café recém-coado. dezembro era mês de banho de chuva e luzes coloridas. era mês de estar com os avós, ainda mais. e felicidade era simplesmente a possibilidade de gozar desses cheiros, dessas luzes, daquelas vozes.

16 novembro 2012

natal sem natal

não acredito no papai noel. na minha cidade, nunca nevou. jamais vi uma rena. não creio que jesus tenha sido o messias. não creio que virá algum outro. não sei o que peru tem a ver com o nascimento de um menino no deserto, onde não havia perus. não queria ouvir tanto coro, criancinhas fingidas de anjos, luzes. me incomoda tanta gente, tantas vozes, tantos corpos. me enjoa tanto pacote, tanta comida. não queria nada disso. seria bom um pouco de silêncio, brisa leve, luz natural de sol poente. e, de vez em quando, o ruído suave do mar quebrando na praia. mais nada.

21 outubro 2012

vento

achava que, colecionando lembranças, podia fazer voltar o tempo. as lembranças foram se somando, atulhando a mente, o corpo, o quarto. em meio a tanto passado, o tempo não conseguia passar. ia já morrendo quando um vento escancarou a janela e foram-se, voando, todas as fotografias, todas as cartas, os cheiros, os olhares. no vazio da alma limpa,  podia enfim brotar outro amor.

16 outubro 2012

coração de vidro

deve vir dos astros, ou talvez do degelo das calotas polares, ou da soma dos sofrimentos dos humanos. é isso: os sofrimentos evaporam e produzem uma espécie de nuvem espessa que nos envolve a todos. nesses dias, viver fica especialmente difícil. quase qualquer toque pode ser muito dolorido. é preciso urgentemente encontrar a delicadeza.

21 junho 2012

falta


trago um fio nas mãos: é o tempo. há nós, pontas soltas e arrebentadas. um novelo mal aproveitado, emaranhado. percorro um segmento, estico, chego a outro ponto enroscado. puxo mais, ele arrebenta. deixa cair no chão milhares de pequenas contas: gente ida, passada, perdida.

14 junho 2012

life worth living

é bom acordar cedo, ouvir um gato miando, sentir cheiro de chuva. ruídos domésticos que emolduram as manhãs sonolentas e me lembram que eles estão lá. eles estão lá, a minha espera. e crescem todos os dias um pouco. crescem lindos, florescem mesmo. é bom acordar cedo e vê-los. ver seus olhos, seus gestos, seus corpos quase adultos. não completamente desperta, abro a porta. lá estão eles. então me lembro de que gosto de viver.

04 maio 2012

sem som

escrevo pouco. não tem sobrado palavras. procuro o caminho para o ponto de silêncio em mim, para o meu  ponto mudo. melodia sem letra. pura música. silenciosa tranquilidade.

04 abril 2012

cala!

passou a vida reclamando, criticando, julgando e condenando. dia após dia, sempre a mesma cantilena. até que numa manhã de sol, a voz se irritou: já não podia mais com tanta casmurrice! foi-se embora, simplesmente. achou melhor viver sem corpo, mesmo que condenada a ecoar eternamente. desde então, a boca muda só produz caretas. mas para elas, o mundo pode dar as costas. bendita voz que emudece gargantas inúteis!

01 abril 2012

sem

há os silêncios pacíficos, aqueles instantes de repouso da mente, nuvens de sossego que fazem ritmar a existência. e há os outros. os silêncios que são abismo onde nem eco habita. é uma pena, mas há silêncios que são o oposto da ponte, o avesso do próximo, o inverso do com.

28 março 2012

proustiana

tarde assim, paulistanamente nublada, pouco úmida. luz esbranquiçada invadindo a janela e os meus olhos, fotofóbicos. manta nos pés, chá preto na xícara de porcelana. em vinil, beatles na vitrola acompanhando lições. toda a casa cheirava bem, rescendia comida boa, pãezinhos. e pelas costas da minha adolescência, os passos de minha mãe, quase inaudíveis.

01 março 2012

gente é muito bom

o dia é lindo! tudo reflete, colorido, entre azuis, amarelos, verdes. há tantas pessoas no mundo... gosto delas. gosto de vê-las, singulares, cada qual com sua história. gosto de ouvi-las, cada louco com sua mania. dias de sol combinam com gente. brilham.

16 fevereiro 2012

nonsense

continuo perplexa diante do nonsense da vida. fico triste em ver quebrados, um a um, os ideais. mas insisto em me manter atenta. vão-se os anéis, fica o toque. e desesperança não move moinhos.

18 janeiro 2012

quem sabe?

eles, que tanto sabem, de onde tiram todas as certezas? quanto mais me indago, mais me aproximo desse ponto móvel, que transita entre a pele e a alma, que é a entrada secreta para o imenso vazio dos silêncios e das dúvidas.

11 janeiro 2012

alice

num dia como hoje, era bom ter um gato. mas, se não desse para ter o gato inteiro, era bom ao menos ter um sorriso de gato junto de mim.

05 janeiro 2012

óculos

insight do dia: o mundo é sempre o mesmo, a vida, as pessoas ao redor. se me sinto feliz, é sinal de que achei os bons óculos, aqueles que tingem o universo com nuances aquareladas e doces.